“- Aiii!”
O pé direito deslizou ao longo da laje, fiz rotação ao corpo para tentar o equilíbrio e ainda fui amparado por um companheiro que vinha colado a mim, mas o joelho direito bateu forte no granito.
É continuar enquanto ainda está quente, mas com cautelas. Recomponho-me com a ajuda do Vitor, escalo mais esta parede deste por ora seco leito de um jovem curso de água que não teve ainda tempo de erodir os infindáveis e pontiagudos pedregulhos que preenchem toda a sua base. Dou um passo e o GPS apita mais um km – o mais lento de toda a minha vida, em torno dos 18minutos.
Bem sei que nele está incluída a paragem no segundo e último abastecimento (o único com sólidos), onde paramos um bom bocado pois tínhamos acabado de descer uma prolongada ravina xistenta, que tinha sido antecedida por um estreito e infindável trilho camuflado no meio de urze, giestas e penedos graníticos, o qual tinha sido precedido por uma interminável escalada ao longo de uma encosta pedregosa, árida e nua como uma careca, que por sua vez se nos tinha apresentado como contraponto a uma descida alucinante por um carreiro de terrarossa atapetado por inúmeros fragmentos calcários levemente pousados – autênticas armadilhas aguardando por um pé mais confiante.
A progressão mantinha-se lenta mas confiante, sempre atentos aos pontos conspícuos, agora que a prova já ia com 17 ou 18kms e não víamos nem ouvíamos vivalma. Enquanto fomos tendo companhia de outros atletas o padrão foi-se mantendo constante: ganhando algum terreno nas subidas, fugindo por completo nos poucos e curtos estradões e sendo ultrapassados nas descidas por um número de atletas directamente proporcional à perigosidade das mesmas.
A prova aproximava-se do final. Havíamos finalmente deixado para trás o rio de água em pó e seguíamos agora por um estreito e pedregoso carreiro já nas fraldas da serra e que haveria de nos conduzir a um último km de alcatrão que nos vomitaria dentro de Alvaiázere.
Chegados à estrada podemos por fim fazer aquilo que sabemos e há muito ansiávamos: alargar a passada. Após tantos kms detectamos finalmente um atleta ao longe e fomos no seu encalço. Passamos um, dois, três, quatro, cinco atletas e vimo-nos em frente ao pórtico que atravessamos confiantes, abraçados e de sorriso nos lábios.
Tínhamos acabado cumprir 21kms na nossa estreia na montanha, numa prova que ultrapassou em pouco as três horas. Estávamos satisfeitos e orgulhos por termos dado os primeiros passos que nos levarão um dia destes a ter o direito de reclamar fazer parte dessa casta de atletas.
Desligamos os frontais e encaminhamo-nos tranquilamente para a mesa de abastecimentos.
É que me tinha esquecido de dizer que a prova foi nocturna.