domingo, 29 de junho de 2014

Amigos do Timóteo


São quase 3 da matina e neste momento a minha luta é apenas uma: a de combater as pálpebras que insistem em fechar.

Ligo o pc e vou navegando sem destino e sem qualquer esperança de que alguém tenha já publicado o que quer que seja acerca do UTSF. A única intenção é mesmo a de me manter acordado, pois não quero correr o risco de adormecer com o pé enrolado em gelo.

Olho para o monitor, mas não vejo nada. Na verdade vejo o filme do dia a passar-me diante dos olhos. O amanhecer debaixo de uma chuvinha irritante e a rápida descida até ao rio.

Sinto a chuva a penetrar-me até aos ossos e logo em seguida o sol a incomodar-me na nuca.

Oiço riso e gargalhadas entrecortadas por protestos vindos não sei bem de onde.

Vejo-me submerso até à cintura. Levanto os olhos e vejo a serra, o céu pesado. Regresso aos penedos e vejo um companheiro que se estatela de uma altura de quase 2 metros em cima de uma laje e que berra como um condenado.

Pergunto-me o que faço eu aqui.

Vejo um punhado de sorrisos em rostos que olham na minha direcção e oiço palavras de ânimo e incentivo. Estou num qualquer abastecimento rodeado de companheiros incansáveis que hoje trocaram os trilhos pela solidariedade.

Estou de novo no trilho e vou subindo penosamente, para logo em seguida descer com dificuldade, escorregar ao longo de um penedo, raspar um braço num silvado, bater com uma canela num xisto pontiagudo ou a cabeça num troco atravessado ao nível dos olhos mas que não vi, fruto da reflexão do momento: a noite mal dormida, o abastecimento que não chega, a Besta que vai ter de ser vencida com bastões a atrapalharem, o relógio que não pára, a perna direita que já não dobra … o desânimo prestes a apoderar-se de mim e a Patrícia a vir uma vez mais em meu socorro. A minha incansável companheira de jornada, que, do primeiro ao último metro desta aventura, me aturou protestos, blasfémias e amuos; puxando constantemente por mim.

Subimos ravinas intermináveis e descemos vales sem fim. Caminhamos em leitos de rios, mudando incessantemente de margem, enchendo os cantis na mesma água onde mergulhávamos o corpo, tentando usufruir de tudo o que a Freita tem para oferecer a quem se aventura pelas suas entranhas.

Recordo-me de sentir o meu próprio sorriso a tocar-me nas orelhas quando no abastecimento dos 60km retiro o cronógrafo da mochila e verifico que estamos com 14 horas de prova. Faltava a subida da Lomba e toda a Mizarela – que provavelmente seria já vencida de noite, mas mesmo com as dores do pé, que me incapacitavam desde as 11 horas de prova, eu tinha a certeza de que a aventura teria final feliz.

Por falar em pé; é melhor desentrapá-lo e ir dormir.

Obrigado Patrícia.