domingo, 16 de junho de 2013

Sentir a Freita

















Com os meus amigos Rui Pinho e Carlos Natividade fiz ontem uma incursão de cerca de 8 horas na Serra Freita, naquele que pretendemos que fosse um treino preparatório para a grande aventura de 70km à qual nos lançaremos dentro de duas semanas.
De Candal a Gourim, passando por Covelo de Paivô e pelos coutos mineiros de Regoufe e de Drave, regressando por Póvoa das Leiras, foram mais de 40km, com um desnível positivo acumulado superior a 2000m que, por trilhos outrora calcorreados por gentes ligadas à efémera febre pesquisadora do volfrâmio, naquele que foi um dos nossos micro Klondike, nos transportaram para tempos em que a vida era de uma dureza brutal mas que a ilusão de um certo ouro negro permitiu o atrevimento do sonho.
À semelhança do que aconteceu um pouco por todo o Norte de Portugal, também a Freita acolheu uma efémera porém marcante experiência de exploração mineira quando, nos alvores da segunda grande guerra, um punhado de gente se deu conta de que por contraste com a fraca fertilidade destas abruptas encostas rochosas havia uma riqueza que poderia ser extraída do seu substrato.

Com a ilusão do lucro fácil e rápido, igualmente de outras paragens demandaram a estas terras pesquisadores e aventureiros esventrando o solo um pouco por todo o lado, na esperança de encontrar volfrâmio que, por se tratar de um minério fundamental ao fabrico de armamento, assume um papel determinante ao esforço de guerra, atingindo nesse contexto cotações excepcionais.

No caso particular da Serra da Freita, enquanto que os ingleses iniciaram a sua exploração mineira em Regoufe, os seus beligerantes inimigos instalaram-se em Rio de Frades, a pouco mais de uma dezena de quilómetros, mas viviam numa tal paz operacional que até lhes permitiu um entendimento com vista à divisão de esforços de construção de uma estrada que servia os propósitos destes dois supostos inimigos mas aliados no que ao lucro diz respeito.
Tratou-se de explorações subterrâneas de dimensão considerável, mas também pulularam um pouco por toda a serra outras de muito pequena dimensão, algumas delas mesmo furtivas ou ocasionais, que se ocupavam das jazidas mais pobres e superficiais.

Todo o material rochoso trazido à superfície era conduzido à lavaria onde era lavado em abundante água corrente, e posteriormente criteriosamente separado o minério da rocha sem valor, designada por ganga. Nas mesas de britagem, numa tarefa essencialmente ocupada por mulheres, o material era esmagado com pesadas marretas, promovendo-se assim nova separação de minério e ganga, procedendo-se seguidamente a nova escolha manual. O concentrado de minério no final obtido tinha uma granulometria muito fina, muito próxima do pó, e era armazenado em pequenos sacos de tecido.

O volfrâmio era escoado essencialmente através duma companhia instalada em Arouca, mas são inúmeros os relatos de histórias mais ou menos românticas de minério que saía da serra a coberto da noite, em direcção ao Porto e à Galiza, onde era vendido a preços bem mais apetecíveis.

A entrada desse ouro negro na vida de Arouca veio impulsionar o comércio, por via do súbito aparecimento de endinheirados “volframistas”, nome que albergava gentes tão distintas como sérios proprietários rurais agora convertidos à mineração, até “pilhas” (nome atribuído a aventureiros que se dedicavam ao roubo de minério em explorações alheias e posterior venda no mercado negro) e contrabandistas.

Apareceram novos estabelecimentos comerciais e passou a haver um permanente clima de festa, com as tascas a colocarem altifalantes à porta, onde vomitavam ininterruptamente música. Foi um tempo em que um povo com vidas miseráveis agarrou com ambas as mãos a ilusão da riqueza e que experimentou sensações nunca antes sonhadas, algumas tão aparentemente simples como comer até não ter fome. Sucediam-se episódios de volframistas que apesar de analfabetos exibiam elegantes canetas, que usavam relógio de bolso a par com mais um em cada pulso, que enrolavam tabaco em notas de mil escudos e que desafiavam a própria imaginação.

Toda esta euforia não significou, porém, progresso porquanto não houve investimento. Pelo contrário, com o fim da guerra e a descida na cotação do volfrâmio, este deixou de ter interesse económico e os terrenos voltaram à sua função agrícola. Proprietários de estabelecimentos comerciais com os seus livros de débitos repletos viram-se na ruína e a década que se seguiu foi para todos muito penosa. Foi como o abrupto acordar de um conto de fadas e subsequente mergulho num pesadelo.