Há milagres. Qualquer bípede pode concluir uma maratona.
Noite mal dormida. Despertar às 6:00.
Pequeno-almoço com o Mark e partida para o Arco do Triunfo.
Luís Mota de grilo. Fomos aos sacos.
Stress. Frio. Vai doer? Vou aguentar?
Último abraço. Eu: “ – vai forte!”; ele: “ – vai com calma”. Nenhum de nós proferiu as palavras ao acaso. Ao Mark, com um registo de 3:00:02, faltavam-lhe uns segundos para entrar na hora dois; eu, com treinos morrinhentos e uma lesão a atormentar-me, só queria terminar e, de preferência, abaixo das quatro horas. Se não vos apetecer ler mais adianto-vos já que ambos conseguimos, à tangente, os nossos intuitos.
Emoção contida.
Poupo-vos àquilo que todos vocês conhecem: o frio, a solidão, o nervosismo, a dúvida e, pela primeira vez numa situação deste tipo, a vida extra-atletismo a passar-me insistentemente pela cabeça, a estacionar na minha cabeça.
O tiro. Nada acontece.
Uns passos. O chão repleto de lixo.
Que faço eu aqui?
Mais uns passos.
8 minutos passados e lá está a linha de partida.
Começo a correr. Uma perna à frente da outra. Não me consigo decidir por um ritmo. Vou muito rápido. Agora muito lento. Que faço eu aqui?
Passa o primeiro quilómetro: 5:18. Não consigo decidir se é lento ou rápido. Deixo-me ir na corrente. Segundo quilómetro a 5:20. Vejo uma bandeira nacional e grito Portugal! “ – Força Meixedo!”. Era a Susan, esposa do Luís Mota.
Lá vou indo entre os 5:00 e os 5:10, até que no quilómetro 9 não aguento mais e tenho que procurar um local discreto para mudar a água às azeitonas. Arranco e esse quilómetro bate a 5:30. Decido recuperar o tempo perdido, mas não chego a fazer 200 metros sem que sinta uma forte picada no tendão, e a perna a prender. Grito um palavrão com todas as forças que tenho. Lágrimas.
Que faço eu aqui?
Páro. Lágrimas.
Arranco lentamente e esse quilometro ainda bate a 4:40. Nem imagino a que ritmo ia quando senti a picada.
Dói mas aguento. Aguento até ao final dos 43.240metros, porque ela nunca mais me abandona.
Estabilizo e entre os km 10 e 26 rolo entre os 5:05 e os 5:10. Sofro mas estou satisfeito.
Por volta do quilómetro 27 sinto repentinamente que as pernas têm vontade própria e que correr não está nos seus planos.
É uma situação nova, para mim, que sempre parei ou abrandei por falta de fôlego, seja lá isso o que for. Desta vez não é o pulmão. Não é o coração. Não me sinto esgotado, mas as pernas não correspondem.
Nos 10 quilómetros seguintes vejo-me aflito para rolar abaixo dos 5:40 e chego mesmo a registar dois quilómetros acima dos 5:50.
QUE FAÇO EU AQUI?!
A partir do quilómetro 37 consigo impor-me às minhas pernas e rolei sempre em torno dos 5:25.
O meu habitual sprint final limitou-se a uns meros 200m, tendo terminado com 3:50:27.
Para meu desespero fiz 43240m, a um ritmo médio de 5:19. Com esse ritmo, em 42195m deveria ter registado um tempo de 3h44min. Mas isso é o condicional e como todos sabemos, se a minha vizinha de baixo tivesse rodas seria um camião TIR.
Terminei, mas com o meu pior tempo de sempre. Sem treino não há milagres. Continuo ateu.