quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Então, o resto da coisa desenvolveu-se da seguinte forma:

Aviso à navegação: o post é longo, apesar de ser um curtíssimo resumo dos acontecimentos. Se fosse eu não perderia tempo a ler.

CAIRNS

Após Brisbane voamos para Cairns, uma cidade litoral encostada à Rainforest – a floresta tropical – e principal porto de acesso à grande barreira de coral.

Rentabilizamos ao máximo a nossa estadia, alugando um carro e rumando a norte ao longo da magnífica estrada marginal que vai serpenteando o sopé das encostas à medida que vai penetrando na Rainforest.

A estrada é o único elemento de separação entre a praia e a floresta, que cai literalmente em cima da areia. Atravessamos aldeias minúsculas, compramos fruta a aborígenes, atravessamos um rio numa enorme jangada motorizada pomposamente apelidada de ferryboat, caminhamos na praia e em trilhos na floresta, vimos aves estranhas e sentimos o silêncio.

Sobrevoamos a floresta num teleférico que nos transportou por cima de copas de árvores altíssimas e centenárias até ao topo de uma montanha, de onde regressaríamos num comboio do início do séc. XX. Vimos uma queda de água que metia a Frecha da Mizarela num chinelo.

Em pleno contraste com o que acabo de descrever, num outro dia, embarcamos num catamaran, que nos levou a uma ilha junto a uma barreira de corais, onde mergulhamos para ver a diversa fauna marinha que habita estes recifes.

Uma experiência única que repetirei sem hesitações numa outra qualquer parte do mundo onde venha a ter essa oportunidade.

Treinos: 0.

OUTBACK

De Cairns levantamos voo para aterrar em pleno Uluru National Park onde, olhando em volta, só víamos vermelho ferrugem pintalgado de verde. A pista, já parcialmente coberta de pó, encaixava na paisagem como um camaleão.

Partimos à procura de novas sensações e, a cada curva de estrada lá aparecia e desaparecia o enorme monólito vermelho. É impossível não nos sentirmos pequenos e insignificantes. A paisagem convida ao silêncio e ao recolhimento. Ao caminharmos nos trilhos, ao pasmarmos a observar o enorme rochedo que vai mudando de tonalidade à medida que o dia caminha para o seu ocaso, ou simplesmente enquanto jantamos um delicioso grelhado de carnes no churrasco da estância onde ficamos, as pessoas cumprimentam-se como se fossemos todos velhos amigos ou conhecidos, mas a calma reina. No fundo, todos sentimos que somos privilegiados por ali podermos estar.

Em pleno coração do Outback empreendemos uma viagem repetitiva mas não monótona ao longo de rectas infinitas e paisagem a perder de vista. De dez em dez minutos lá nos cruzamos com outro veículo e trocamos cumprimentos. De meia em meia hora alcanço um veículo, ultrapasso-o e é um momento de excitação. Ao longo dos 500 km que nos levariam a Alice Springs encontramos como únicas edificações 4 postos de abastecimento rudimentares, à boa maneira dos road movies. Por vezes apercebíamo-nos de algum frenesim na berma da estrada, abrandava e víamos um bando de abutres a banquetearem-se com um canguru, provavelmente atropelado durante a noite.

Na segunda manhã, após um farto pequeno-almoço e porque a família precisava de descansar um pouco, decidi ir treinar, coisa que não fazia há 6 dias. Corri ao longo das margens do Tod River – não sei se a esquerda ou a direita, pois apesar de aqui ser Inverno, o leito está completamente seco – e ao fim de 2 kms já estava fora da zona urbana, em plena reserva ecológica, onde segui um trilho à sorte, o que me levou a rolar no meio de um ambiente inóspito e seco, tendo-me cruzado com outro corredor – cumprimentamo-nos efusivamente – e nem mais um ser humano veria ao longo de hora e dez de treino.

Treinos: 1 (11km a 5:40)

ADELAIDE

Devolvi o carro em Alice Springs e voamos para Adelaide, onde o início da última e longa parte da aventura nos esperava: uma viagem de automóvel de mais de 3.000km, sempre ao longo da costa, até Sidney, passando por Melbourne.

Permanecemos pouco na grande cidade, antes fazendo incursões aos arredores, às zonas vinhateiras. Um dos dias foi inteiramente dispendido na visita à famosa (para quem se dedica às minhas lides) e histórica povoação mineira de Burra Mine. Ao fim de uma hora estamos de regresso às extensas planícies esparsamente povoadas, tratando-se agora de extensas pastagens, com a linha do horizonte como limite. Na verdade o dia só terminaria já em Adelaide, numa Pasta Party, na Câmara Municipal, organizado pelo South Australia Road Runners Club, responsável pela edição da 32ª edição da Adelaide Marathon, dali a dois dias …

Pois é, sem que, à excepção do Vitor Dias e da minha família, ninguém soubesse, e sem treinar nada que se visse, estava inscrito para corrê-la, nem que demorasse 5 horas. Não poderia vir a esta parte do mundo, pela primeira e muito provavelmente última vez, e não procurar uma maratona com data compatível com as nossas deslocações.

ADELAIDE MARATHON

Em termos de treinos, os últimos dois meses resumem-se do seguinte modo:

Corrida Festas Cidade do Porto: 15km

2 dias parado

5 kms

8 kms

19 dias parado

7 kms

8 kms

8 kms

15 dias parado

5 kms

10 kms

10 kms

12 kms

5 dias parado

11 kms

1 dia parado

6 kms

1 dia parado

Maratona

Decidimos jantar massa num italiano, mesmo em frente ao hotel. Estava fechado ao sábado! Já era tarde, de modo que jantamos no restaurante da porta ao lado: um tailandês! Nada mais indicado para uma véspera de uma maratona. Tive que matar todo aquele picante com maduro tinto.

Acordo à 0:40 com um temporal medonho e nunca mais repousei decentemente, de modo que às 4:30 já estava a pé. Chego ao Adelaide Oval Stadium às 5:40 e nem vivalma. Calma, meus amigos, não pensem que era cedo de mais: a partida da maratona estava prevista para as 6:45 e a dos marchadores para as 5:45. Não, não era por causa do calor, pela primeira vez corri uma maratona com uma camisola interior de mangas compridas e que bem me soube.

Dou a volta ao estádio e nada! Já na véspera lá tinha estado, para reconhecimento do local e nada! Estaciono o carro e antes de ter tempo para angustias vejo a luz de uma bicicleta (era noite cerrada) e caminho nessa direcção. Seguem a bicla 10 ou 12 tipos equipados, em passo acelerado, e pergunto-lhes sobre a maratona. “É aqui mesmo, nós somos os marchadores”.

Tão depressa me respondem, como logo vejo o Paul (o director da corrida, que conhecera 2 dias antes, na Pasta Party) que , dirigindo-se ao pequeno grupo, pergunta “Como é, estão todos prontos? Posso dar a partida?” e, junto a um poste de cerca de 2 metros com uma bandeirinha no topo e que só agora vislumbro, diz: “Bom, então boa sorte e vamos lá: 1, 2, 3 partida”. E lá segue o grupinho, pela berma, com a imponente escolta de uma bicicleta devidamente equipada com luz branca à frente, vermelha atrás e um colete retro-reflector no ciclista. Um luxo!

O Paul indica-me uma porta lateral do estádio onde “estão montadas as infra-estruturas”, que é como quem diz, “a porta está aberta, e tens lá dentro um wc e, se começar a chover, podes aquecer abrigado debaixo da bancada”.

Começa a aparecer gente e aproxima-se a hora. Curiosamente, nunca me senti tão descontraído antes de uma Maratona. Converso com um e com outro e o ambiente é excelente. Converso com um Neozelandês que continua com o seu saco da muda na mão, apesar de faltarem 10 minutos para a partida. Pergunto-lhe se não o vai guardar e ele responde que o vai entregar no camião que a Organização tem para esse efeito. Aponto-lho e digo: “vamos lá, já só faltam 10 minutos?”, ao que ele responde: “ainda deve estar fechado, ainda faltam 10 minutos”!! E estava mesmo!

Faltam 5 minutos e eu continuo sem perceber onde é a meta. O ambiente é do mais descontraído e amistoso que se possa imaginar.

As pessoas começam a abeirar-se da estrada – que não está cortada – e da tal bandeirinha. Todos conversam, nas duas bermas. Aparece o Paul: “Atenção caros amigos, parece que está na hora”. Um voluntário de cada lado corta a estrada e vejo a uns 50 metros duas motas da polícia, que seriam a única guarda de honra. Ninguém parece saber para que lado é a partida e muito menos onde é a linha de meta. Deixo-me estar junto à tal bandeirinha e, de repente, em 10 segundos, forma-se uma linha perfeita e eu estou, pela primeira vez na vida, na linha da frente, de modo que empreendo uma deslocação para trás, ao contrário do que se costuma ver em qualquer provaseca em Portugal. Não há atropelos e não estamos uns em cima dos outros. Na área que nós – cerca de 400 – ocupamos, caberiam 3.000 numa prova em Protugal.

Partida: primeiro km a 4:50. Devo estar louco, há meses que não faço um km a esse ritmo. Abrando. Segundo km: 5:10. Ainda é muito rápido. Deixo-me ser ultrapassado por 80% do povo e estabilizo a 5:25. Assim está bem, mas continuo sem perceber: ou o meu GPS está louco ou algo se passa; toda a gente com quem conversei ia para mais de 4 horas…

Lá vou rolando entre os 5:15 e os 5:20. Tinha-me proposto rolar a 5:40, mas sinto-me bem e assim completo os 10kms, já fora do centro da cidade, agora numa zona de casas de praia. Ouve-se o mar e o vento é mais que muito. Está frio, mas o dia começa a clarear. A estradas não estão cortadas mas não há trânsito. Rolamos pelas ciclovias ou, à falta delas, pela berma sinalizada com mecos a cada 2 metros.

De vez em quando temos que mudar de berma e, no cruzamento, lá está um único voluntário que sem esforço e com a imediata colaboração dos poucos automobilistas faz parar o trânsito.

Ninguém corta caminho. Não estou em Portugal.

Estamos agora junto ao mar e corremos ora num passadiço de madeira ora numa ciclovia de terra batida, com as ondas a saltarem-nos para cima. Rolo agora a 5:30-5:35, mas com mais esforço. Pelo km 16 dói-me o bíceps direito. Abrando e mal me aparece algo parecido com uma parede, alongo. E não é que passa?!

Saímos da beira-mar, fugimos ao vento e rolamos agora em torno das margens de um lago. Tudo muito bonito. Retomo o ritmo e vou baixando, até estabilizar nos 5:10-5:15, assim fazendo 5 ou 6 kms, até que ao km 22 me dá uma forte dor no tal de tendão que se desinseriu do osso da bacia. Abrando. Páro. Solto vários palavrões em português. Massajo, carrego com força e retomo a marcha. Lembro-me do Paulo Rodrigues e do Luís Pires e da forma como correm, sem levantar em demasia os pés e sem abrirem demasiado a passada. Resulta! A dor ficaria lá até ao final da prova, mas não me impedia de correr.

Por volta do km 24 regressamos à beira mar, mas em sentido contrário. A expectativa de que o vento estaria agora a favor gorou-se. Estava de lado, e como desconheço o conceito de bolinar no atletismo, gostaria mesmo era de ter vento de popa.

Pelo km 30 entramos no parque da cidade e aí nos manteríamos até ao final da prova, que se tinha mantido sempre plana, contribuindo para que eu me aguentasse. O parque é atravessado por ruas, sendo que sempre que isso acontece, o caminho passa por baixo da via. Se , apesar de curtas, as descidas me arruinavam, as subidas acabavam literalmente comigo. E esta sequência de subida/descida repetia-se incessantemente. O ânimo ia-me sendo dado pelas ultrapassagens que agora ia fazendo com regularidade (algumas eram seguramente a atletas da meia, que partiram mais tarde, mas eu não olhava para os dorsais e isso dava-me alento).

No km 38, e após uma dessas subidas, esta de cerca de 100m, morri. Havia um abastecimento no final e eu parei. Bebi. Voltei a beber. Caminhei e comecei lentamente a correr, mas sabia que o fim estava próximo. Pela primeira vez em toda a prova, não me interessava o ritmo. Só queria chegar ao fim. Cheguei a fazer um km a 5:55.

De repente, ali estava o estádio. Entro e vejo duas atletas, provavelmente da meia, que de imediato decido ultrapassar no meu costumeiro sprint final. No momento em que as passo, levanto a cabeça e vejo a meta a uns 20 metros, e vejo também o Paul, um pouco antes, de micro na mão. Vê-me e grita “My portuguese friend. Hey it’s the portuguese marathoner”. O sorriso que veêm na foto abaixo é desse momento, em que ouço a ovação de 50.000 nas bancadas. Eu descrevi 50.000? Queria escrever 50, mas soube-me como se fossem 50.000.

Confesso que embora tivesse apregoado 4:30, como objectivo mínimo, tinha a esperança de fazer abaixo das 4:00h (nem que fosse um segundo), mas nunca esperaria fazer 3:47:39. Bem melhor do que em Paris.

No final também não há o atropelo habitual da tugalândia, onde o tipo que corta a meta 10 minutos depois de mim recebe a saca do Sumol e da sandes de fiambre 5 minutos antes. Aproveitei para alongar enquanto esperava e, mal recebi a medalha meti-me ao caminho do hotel, onde cheguei às 11:25 e tinha que fazer o check out às 12:00. Foi só tomar um duche e sair.

A ideia era descansar um pouco, mas uma vez dentro do carro ia descansar onde? De modo que pouco mais de uma hora de ter feito a maratona encontrava-me ao volante, numa jornada de quase 500 km ao longo da Limestone Coast, até Mount Gambier. O que vale é que ao fim de pouco mais de meia hora a estrada era só nossa e a dupla combinação cruise control com caixa automática fazem as delícias de qualquer aprendiz de feiticeiro.

ADELAIDE – MELBOURNE – SIDNEY

Nove dias e mais de 3.000 kms ao longo da Great Ocean Road, penhascos, rectas, pelicanos, grandes espaços verdes, cangurus, parques naturais, surfistas, lagoas, coalas, arco-íris, capuccinos, geomorfologia, dunas, por-do-sol, merinos, baías, veleiros, lamas, faróis, maduro tinto, sol, de novo a grande cidade, esplanadas, museus, bistrôs, pinguins, estrada, cruise control, pies, Blue Mountains, Sidney, a ópera, as docas, as lojas, as galerias, os mercados de rua, as emoções das alturas, o regresso.

Se existe povo mais genuinamente simpático e prestável do que os Australianos eu desconheço. Se algum dia tiver que sair de Portugal é para aqui que venho viver.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Singapura em imagens

Num primeiro olhar pelas ruas, tudo parece diferente:





Mas, procurando com atenção, um tipo consegue sentir-se em casa, ... para o bem:


e para o mal:


Nada que uma boa refeição:

e um momento de reflexão, acompanhado de um bom maduro tinto, não resolvam:


Felizmente, há LEÕES por todo o lado:


Mas é preciso ter cuidado, porque vacas também as há:


Enfim, gente estranha:



que se junta para a partilha da micose:

Para terminar. Mostro-vos o mais famoso hotel de Singapura, visto de cima:


e visto EM cima:

E siga para o aeroporto:


que a Austrália espera-nos.