“Espontaneidade. Por força da sua raiz
etimológica a espontaneidade exprime, antes de mais, a qualidade ou carácter do
agente que opera por sua própria iniciativa, e não como resposta directa a uma
incitação vinda de fora. Espontâneo será, pois, o que não foi provocado…”
[Grande Enciclopédia Luso-Brasileira
de Cultura]
Muito se tem falado acerca da
perigosidade intrínseca às provas de trail e à segurança, ou falta dela, e da
necessidade de as entidades organizadoras deste tipo de eventos apostarem cada
vez mais neste aspecto. É, aliás, lugar-comum ouvir-se algo como “um dia vai morrer alguém em prova e a partir
desse dia as coisas irão mudar”.
Todavia, é igualmente
generalizada a opinião de que cabe ao atleta a responsabilidade primeira pela sua
própria segurança. Motivo pelo qual muitos seremos aqueles que concordamos com
acções prévias a cada prova que visem consciencializar cada um de nós para este
problema sério.
Fazer o participante reflectir
sobre a sua condição física e ainda acerca de pontos tão distintos quanto o
tipo de terreno, eventuais condições atmosféricas ou equipamento necessário,
através da assinatura de um documento em que aquele assegura possuir robustez
física e estar consciente da aventura em que se vai meter, pode parecer-me algo
exagerado, mas aceito sem discussão.
Outra coisa completamente
diferente é, a duas semanas do início da prova, pretender a organização de um
evento, através da paradoxal assinatura forçada de uma declaração de espontaneidade,
de legalidade duvidosa e que não constava do regulamento da prova aquando da
inscrição e pagamento da mesma, passar o ónus de qualquer fatalidade que possa
ocorrer para o participante, desobrigando-se a mesma de fazer face a qualquer
tipo de despesa, porquanto o participante “assume, em carácter exclusivo e
excludente, as consequências que possam advir de qualquer tipo de contingência ...”
e por aí fora, incluindo falecimento e só faltando mesmo obrigar o participante
a lavrar um pedido de desculpas pelos transtornos causados na eventualidade de
uma fatalidade.
O que mais me entristece é que
este “documento” tenha sido concebido no seio de uma organização liderada por
alguém por todos nós muito estimado, e não apenas enquanto atleta, e que mais
do que ninguém sofre na pele as agruras deste tipo de provas.
Acresce que especificamente nesta
prova era mais do que desnecessária uma atitude destas, haja em vista tratar-se
da prova de trail onde me sinto mais acompanhado em termos de segurança.
É, aliás, a prova que melhor classificaria, na generalidade, mas é sobre
segurança que agora escrevo … e sobre desresponsabilização, já agora … e de
lavagem de mãos … e de desapontamento … grande, muito grande …
Espontaneidade foi o que me fez
ir ao aeroporto de Pedras Rubras receber o Carlos Sá, quando brilhantemente
ganhou a Badwater, e que me fará lá voltar para o aclamar, a ele a outros que
continuam a receber o meu respeito e admiração.
4 comentários:
Brilhante reflexão. Cada vez mais aprecio os nossos enormes treinos, espontâneos, esses sim, com o verdadeiro usufruto da corrida. Parece-me que ser ultra é mesmo isso. Correr por gosto, sem 700 acompanhantes, muitos deles a desrespeitarem aquilo que mais apreciamos no trail, e sem tempos, pressões, regulamentos... Isto já parece muito a estrada.
Abraço!
Espontaneamente tornaste-te um amigo indispensável, daqueles que espero que me aturem até ser veterano XXVI.
Por isso, é que cada vez mais, me dá um gozo do caraças, fazer os meus treininhos sejam eles na estrada, no monte e com quem e onde quero...mesmo que por vezes sejam nos mesmos locais e hora das provas! Apesar de algumas vezes ir a algumas (provas) para desfrutar da companhia dos meus amigos!
Viva o Trail "puro" e "duro"!
Nem mais, amigo Marco, nem mais!
Aquele abraço.
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