sábado, 14 de novembro de 2009

Tudo por causa de uma entorse grave com fractura do perónio*

Tal como havia já vivido há um ano, voltei a experimentar a sensação de que a maratona do Porto só começa verdadeiramente após o Passeio Alegre, quando nos separarmos do pessoal dos 14 km e somos envoltos num silêncio e numa calma que nos transporta para um estado de recolhimento e reflexão.

Até aí é a algazarra, os cumprimentos a amigos e conhecidos, uns que vão para a maratona outros para a prova mais curta e que abrandam ao passar e fazem algumas centenas de metros connosco para nos deixar palavras de incentivo e lá seguem para a sua prova; é o permanente olhar para o cronómetro para nos certificarmos de que não vamos rápido de mais; é a selecção dos companheiros de jornada; enfim uma espécie de azáfama normal de quem se prepara para uma aventura.

De repente instala-se um silêncio providencial, olho para o gps e constato que os primeiros 11kms estão passados quase sem me dar conta, mais parecendo que apenas fiz ainda 3 ou 4, e reflectindo que se fosse uma prova de 10km já estaria a caminho do carro. Estou nestas reflexões quando o Miguel – até aí companheiro de aventura ou, nesta fase, ainda pré-aventura – se sai com um comentário que vai de encontro às minhas reflexões: “pá, ¼ da prova já está e nem me apercebi dos kms nem do tempo a passar

O resto já todos disseram nas suas páginas e blogs: a chuva miudinha, a falta de público, os heróicos músicos entrincheirados nas paragens de autocarros, a incerteza quanto a possíveis lesões, o medo do vento após retorno no Freixo, …

Até sensivelmente aos 25kms a prova foi feita mais em ritmo de controlo de velocidade e amena cavaqueira com o Miguel, com permanentes visitas por parte do Vitor, do que propriamente em sofrimento. Entre o retorno na Afurada (meia-maratona) e a Pte. D. Luiz I chegamos mesmo a encabeçar um grupo de 7 ou 8 corredores em que o Miguel e eu próprio seguíamos literalmente ombro a ombro (temos a mesma estatura) com 5 ou 6 atletas colados a nós, de tal forma que conseguia identificar diferentes respirações. Cheguei mesmo a sussurrar ao Miguel "sinto-me queniano".

A partir do abastecimento que antecede a Pte. D. Luiz I (km 25) é que foram elas. Os abastecimentos tem esta dupla faceta de influenciar negativamente pelo abrandamento que provocam e ao mesmo tempo ajudar – nestas provas longas – a passar o tempo; pois quando finalmente atiramos com a garrafa ou a casca da banana lá se passaram mais umas centenas de metros sem darmos por isso.

Em direcção ao Freixo não podia concordar mais com o que o Miguel diz no post dele “O percurso mais desagradável de toda a prova é aquele que nos leva desde a Ponte D. Luiz ao Freixo ... pelo facto de nos afastarmos da meta numa fase em que o que mais queremos é começar a ver o fim da prova

A escassos metros do retorno o Miguel previne “é agora que vai começar a prova”. O temido vento, numa fase de enorme cansaço, não soprava tão forte como previsto, o que mesmo assim não impediu que reduzíssemos a marcha.

No entanto, ao fim de 3 ou 4 km, tive a nítida sensação de que as minhas pernas tentavam falar comigo e me pediam para retomar os 4:45/4:50 que tinha imposto desde o início da prova até cerca do km25. Pensando que o Miguel estaria melhor que eu, fiz uma primeira tentativa mas ele não me acompanhou e voltei a abrandar; mas as minhas pernas pediam-me por todos os santos que acelerasse e lá fiz outra tentativa, mas o Miguel não vinha e voltei a abrandar; até que as minhas pernas me ameaçaram mesmo, de modo que, aproveitando a presença do Vitor lhe pedi que desse apoio a Miguel e, entre remorsos, abandonei o meu companheiro de jornada por volta do km33. Se fosse para terminar a umas escassas centenas de metros à sua frente nunca o teria deixado, mas eu percebia bem que estava em condições de começar a retirar 15 a 20s por km, enquanto percebia que o Miguel iria começar a acrescentar esses 15 a 20s por km.

Parti! A partir daí foi sempre a dar-lhe e a passar atletas um a um, nunca sendo passado por ninguém, a não ser por uma menina. Fixava o olhar nas costas do atleta mais próximo, estivesse ele a 2 ou a 200m, e não descansava enquanto não o passasse. Assim passei o amigo Fernando Andrade (só tive forças para lhe tocar no ombro, piscar o olho e levantar o polegar, enquanto ele me atirou palavras de incentivo, proferidas com uma calma e uma naturalidade tais que me permitiu verificar que ele estava fisicamente muito melhor que eu, mas que a experiência e a maturidade lhe impunham aquele ritmo).

Lá fui indo enfrentando a, agora mais forte, chuva e passando atletas um a um. Ao contrário de todas as pessoas com quem tenho falado, não me incomoda nada a ida ao edifício transparente no fim da prova em vez de seguir logo para o parque. Para ser sincero, até gosto: vou-me cruzando com atletas e vou “tirando as medidas” àqueles que penso ainda conseguir ultrapassar. Assim se passou com o Nelson Valente e com o Armando Oliveira, para além de um punhado de desconhecidos.
.
Pela Avenida da Boavista acima cerrei dentes e ainda fui passando uns quantos e, eis senão quando faço a curva e vejo a meta a 50m, mas vejo também a menina que me tinha ultrapassado lá pelos kms 36 ou 37, apertei ainda mais o sprint e passei-a a 5m da meta. É que tinha levado a mal ...


* fica para explicar numa próxima oportunidade

22 comentários:

Vitor disse...

Olá João!
Parabéns pela sua excelente Maratona!
Abraço

João Paulo Meixedo disse...

Obrigado Vitor, faz-se o que se pode. Até breve, assim espero.
Abraço.

José Alberto disse...

Olá João,

Muitos parabéns, foi mesmo à campeão.

E desta vez nem sequer fez a cara feia de Ovar, ou então o fotógrafo estava distraído.

Abraço e continuação de bons treinos.

José Alberto

João Paulo Meixedo disse...

He he, foi mais a incompetência do fotógrafo, amigo José Alberto.
Um grande abraço.

Mark V disse...

João,

5 estrelas a tua prova, o teu relato e a tua regularidade!
Muito bom o "kick" aos 33K apesar de teres sido obrigado a deixar o Miguel.

Em Paris vai ser para arrasar, porque com público durante os 42k temos de correr o tempo todo com as costas direitas.

Grande abraço

Anónimo disse...

joão espero que consigas sinceramente conciliar o teu trabalho com a corrida seria umapena largaresas longas distancias, está visto e como já te tinha dito anteriormente quanto mais kms melhor

abração e grande prova

paulo martins

luis mota disse...

Amigo Leão!
Que grande corrida.
Cá para mim deves ter andado a treinar às escondidas!
Parabéns João. Gostaria de ter-te visto na Nazaré. Os leões tiveram uma grande representação com o Paulo Martins.
Votos de uma boa semana,
Luís Mota

João Paulo Meixedo disse...

he he, essa das costas direitas é de quem me conhece bem, Mark. Em Paris vai ser difícil: inscrevi-me no lote das 3:45h e já me disseram que é dificil correr até aos 17-18kms.
Abraço.

João Paulo Meixedo disse...

Obrigado, Paulo; não vou deixar, vou apenas reformular e reduzir. O pior é que o treino que agora consigo fazer não me dá gozo nenhum; é apenas 2x por semana, à noite e numa estrada super movimentada, a subir e a descer e com alguns locais sem berma e com os carros a passar a alta velocidade. O oposto de treinar de manhã, com companhia, no parque da cidade.
Abraço e parabéns pela bela Meia da Nazaré que hoje fizeste.

João Paulo Meixedo disse...

Obrigado, Luis.
Também ouvi dizer que estiveste em grande na Nazaré. Também queria ter ido aí, mas não tenho a tua pedalada e ir-me-ia fazer mais mal do que bem.
Podias ponderar vir cá acima no dia 8 (feriado) fazer os 10kms da Volta a Paranhos: é uma prova emblemática, enquadrada nos festejos do aniversário do Salgueiros e que já se realiza há mais de 50 anos. É aparentemente uma coisa de bairro, mas tem tanta tradição que conta sempre com muitos atletas (ano passado teve mais de mil).
Um abraço.

Vitor Dias disse...

Viva João

Valeu a pena esperar pelo relato.

Excelente prova e excelente descrição, como sempre.

1 abc

João Paulo Meixedo disse...

Obrigado, Vitor; pelas palavras e pelo apoio durante a prova. Desculpa não ter aparecido hoje, mas a logística familiar não mo permitiu.
Grande abraço.

José Capela disse...

Caríssimo, João!

Vou deitar-me a advinhar!

Mas pelo título do post, parece-me que a bola perdeu um promissor jogador e a corrida ganhou um maratonista que vai muito longe!

Gostei do relato, gostei da atitude e aquele sprint final para mostrar à menina que só quando se corta a meta é que a corrida acaba, foi soberbo!

Abraço

José Capela

MPaiva disse...

João,

Parabéns pela tua prova e pela companhia que me fizeste em 3/4 do percurso. Faltaram-me pernas na fase final para acompanhar as tuas habituais pontas finais fulgurantes. Ficará, certamente para a próxima vez.
Gostei desta variante marialva nos teus relatos de provas!

abraço
MPaiva

João Paulo Meixedo disse...

Obrigado, amigo Capela.
És um bom Zandinga, tirando a parte do "promissor" :)
Aquela coisa básica (e só eu sei como odeio "lugares comuns") da cabeça poder mais que as pernas aplica-se-me sempre na parte final das provas. É pena é que por vezes essa tal parte final se resuma a uma ou duas centenas de metros.
Um grande abraço.

João Paulo Meixedo disse...

Também a mim me soube bem a companhia, Miguel
Falta de tempo e de inspiração levaram-me a adiar o relato, mas não podia deixar de registar esta minha terceira maratona.
Aquele abraço, amigo.

joaquim adelino disse...

Parabéns amigo João.
Na corrida eu já estava impressionado pela opulência do vosso à vontade sempre que me cruzava com vocês, Miguel incuído, parecia que eu ia no R/C e vocês no 1º andar, mas a vida custa a todos e só nós sabemos a cada momento a dificuldade que lá vai dentro.
De resto aprecio as qualidades de companheirismo que lhe estão associados, bem como compreendo aquela birra final, um maratonista não tem sexo, tem brio e valenia até ao final da sua missão.
Abraço.

João Paulo Meixedo disse...

eu é que ainda tenho que pedalar muito para chegar aos seus calcanhares, amigo Joaquim; lá porque ando um bocadinho mais rápido não quer dizer que não seja ainda um aprendiz de feiticeiro.
Até sempre.
Uma grande abraço.

Anónimo disse...

Parabéns pela prova.

eu senti na pele esse sprint final.... ainda esboçei uma tentativa de acompanhar mas parecia que estava alguém a passar por mim de bicicleta.


@braço
Nelson Valente

João Paulo Meixedo disse...

Eu percebi que tentaste encostar Nelson, e eu gostava que tivesses vindo, mas havia mais de 45 minutos que eu não falava e não podia gastar o fôlego a incentivar amigos. Terminamos ambos bem.
Um abraço.

Leões do Veneza disse...

Olá companheiro
Excelente relato!
Quanto á prova,p'ra que é que eu disse na Rotunda da Boavista que já te ia buscar,enervaste-te e nunca mais te vi!
Foi pena eu não ter tido a tua coragem naquele momento,fica para a próxima!
Quanto á menina,é assim mesmo, como diz o outro,"Homem que é homem,..."
Grande Abraço
Paulo Rodrigues

João Paulo Meixedo disse...

Foi mesmo pena, ó Leão Dragão, bem sabes que andas mais do que eu, ó ultramaratonista. Um tipo que faz provas de mais de 100km, que tem melhor tempo que eu em todas as distância, resolve jogar à defesa na maratona. Vá lá eu entender-te.
Um grande abraço.